Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector.
Dedicado ao Poetinha desiludido da própria arte.
Desilusão é o caminho pro amor fluido, leve.
Dedicado ao Poetinha dos olhos de mar.
Ai, o mar...amar!
-Será sempre um prazer, com brejas e samba.-
domingo, 11 de maio de 2008
quarta-feira, 23 de abril de 2008
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Pronto
Ontem falei o que meu peito dizia
Minha boca tremia
Mas falei
E espero algo em troca
Um bilhete indolor
Ou um café despertador
Quem sabe
E quem sabe também
Nada aconteça
E eu desmereça até o fim
Essa relação um tanto presa
A carência
E a tristeza
Quem sabe
Faz confusão só pra provar para si
Alguma coisa talvez caída no chão
Puxa pra boca palavras de insegurança
Lança pros olhos segredos do coração
-Será sempre um prazer, com brejas e samba.-
Ontem falei o que meu peito dizia
Minha boca tremia
Mas falei
E espero algo em troca
Um bilhete indolor
Ou um café despertador
Quem sabe
E quem sabe também
Nada aconteça
E eu desmereça até o fim
Essa relação um tanto presa
A carência
E a tristeza
Quem sabe
Faz confusão só pra provar para si
Alguma coisa talvez caída no chão
Puxa pra boca palavras de insegurança
Lança pros olhos segredos do coração
-Será sempre um prazer, com brejas e samba.-
segunda-feira, 14 de abril de 2008
O meu melhor pedreiro
Texto baseado na música Construção, de Chico Buarque .
Sempre achei o Zé meio estranho. Zequinha, como todos começaram a chamá-lo desde o primeiro dia, desde que o contratei. Na verdade, seu nome era Carlos, mas ele só atendia por "Zé!". Cara estranho. Quando sorria, aparentava tristeza. E quando aparentava tristeza, trabalhava. Foi meu melhor pedreiro.
Em um dia de confraternização, no qual todas as pessoas envolvidas na obra reuniram-se em um clube, conheci sua mulher e os filhos do Zé. Um era a cara dele. Acho que tinha herdado até o seu sorriso triste. O outro era filho do primero casamento de sua esposa, porém, era tratado com igual carinho por ele. Me pareceu uma família normal.
Comecei a notar algo errado no Zeca. No decorrer das obras ele vinha trocando os lugares corretos de encaixe dos tijolos, preparava mal o cimento. Chamei-o em minha sala: " Zé, que está havendo? Você sempre foi meu melhor pedreiro...". Ele disse: " Desculpa, chefe". Mais nenhuma palavra. Dei meia dúzia de broncas e berros. Mesmo assim, mais nenhuma palavra.
No outro dia, Zequinha chegou bêbado na obra. Passei por ele e não percebi. Trabalhou o dia inteiro. Ao final do expediente todos estavam indo embora, mas nada de ele aparecer. Foi só na hora de fecharmos os portões da construção, acreditando na possibilidade de ele já ter ido para casa, que percebemos o Zé lá em cima. Debruçado numa janela inacabada. A minha sensação era de que ele contemplava o céu. O anoitecer. Como se quisesse o céu no lugar do chão. Ainda acho que, ao se atirar, Zé pensava fixamente na idéia de cair eternamente. Céu, nuvens, Terra, espaço, galáxia. Uma pena. Era meu melhor pedreiro.
-Será sempre um prazer, com brejas e samba.-
quinta-feira, 3 de abril de 2008

"O cacto é cheio de raiva com os dedos todos retorcidos e é impossível acarinhá-lo. Ele te odeia em cada espinho espetado porque dói-lhe no corpo esse mesmo espinho cuja primeira espetada foi na sua própria grossa carne. Mas pode-se cortá-lo em pedaços e chupar-lhe a áspera seiva: leite de mãe severa."
Um sopro de vida - Clarice Lispector.
Estreando com a sempre bela Clarice.
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