segunda-feira, 14 de abril de 2008

O meu melhor pedreiro

Texto baseado na música Construção, de Chico Buarque .
Sempre achei o Zé meio estranho. Zequinha, como todos começaram a chamá-lo desde o primeiro dia, desde que o contratei. Na verdade, seu nome era Carlos, mas ele só atendia por "Zé!". Cara estranho. Quando sorria, aparentava tristeza. E quando aparentava tristeza, trabalhava. Foi meu melhor pedreiro.
Em um dia de confraternização, no qual todas as pessoas envolvidas na obra reuniram-se em um clube, conheci sua mulher e os filhos do Zé. Um era a cara dele. Acho que tinha herdado até o seu sorriso triste. O outro era filho do primero casamento de sua esposa, porém, era tratado com igual carinho por ele. Me pareceu uma família normal.
Comecei a notar algo errado no Zeca. No decorrer das obras ele vinha trocando os lugares corretos de encaixe dos tijolos, preparava mal o cimento. Chamei-o em minha sala: " Zé, que está havendo? Você sempre foi meu melhor pedreiro...". Ele disse: " Desculpa, chefe". Mais nenhuma palavra. Dei meia dúzia de broncas e berros. Mesmo assim, mais nenhuma palavra.
No outro dia, Zequinha chegou bêbado na obra. Passei por ele e não percebi. Trabalhou o dia inteiro. Ao final do expediente todos estavam indo embora, mas nada de ele aparecer. Foi só na hora de fecharmos os portões da construção, acreditando na possibilidade de ele já ter ido para casa, que percebemos o Zé lá em cima. Debruçado numa janela inacabada. A minha sensação era de que ele contemplava o céu. O anoitecer. Como se quisesse o céu no lugar do chão. Ainda acho que, ao se atirar, Zé pensava fixamente na idéia de cair eternamente. Céu, nuvens, Terra, espaço, galáxia. Uma pena. Era meu melhor pedreiro.
-Será sempre um prazer, com brejas e samba.-

2 comentários:

Joana Cid disse...

nossa, adorei o texto.
muito legal mesmo. :D

Anônimo disse...

muito bom mesmo o texto. tenho um talento como amiga e não sabia?
esse texto dava um bom curta, futura cineasta.